A Reserva

Encravada entre a província portuguesa de Trás-os-Montes e a província espanhola de Zamora [Castilla y León], a região da Braganzónia [Braganza+Amazónia] é considerada, como sempre foi pelo Poder [monárquico ou republicano] de Lisboa, uma autêntica Reserva de Índios, reconhecida por qualquer viajante esclarecido como das mais atrasadas da Europa.

Atrasada, abandonada, desprezada, quase renegada e indesejada!

E não poucas vezes espoliada do pouco que já lhe resta para além da genica, do orgulho e da dignidade dos que nela vão sendo ignorados!

Para os Senhores do Poder, a Braganzónia foi sempre um empecilho que apenas dá despesa, poucos impostos e quase nenhuns votos!

Que os interessou apenas enquanto foi preciso recrutar mancebos fortalhudos, habituados à fome e à porrada, para mandar às guerras de África!

A reserva abrange actualmente 106 tribos, agrupadas em 49 zonas de caça dispersas por uma área de 1.173 quilómetros quadrados.

Eram 34.752 os índios que ocupavam esta vasta área em 2001 [trinta por quilómetro quadrado].

Algumas dessas tribos, as da metade Norte da reserva, desde a fronteira espanhola até aos velhos trilhos que ligam Braganza [a tribo maior] à zona Leste de Vinhais [reserva irmã da Braganzónia] e à zona Oeste de Alcañices [reserva espanhola pouco menos desprezada por Madrid], foram há uns anos atrás, sem para tal serem ouvidas e contra-vontade, integradas no Parque Natural de Montesinho.

Transformando-lhes o quotidiano num verdadeiro inferno porque, entre outras coisas, lhes não é sequer permitido cortar livremente a lenha de que são donos para manter o fogo que lhes aquece o corpo durante o Inverno. Que na Braganzónia é rigoroso, faz doer as unhas e gelar os rios!

Agora, cada índio tem que [muito respeitosamente] solicitar aos Senhores do Parque o especial favor de uma autorização para cortar meia dúzia de paus que mal chegam para os gatos tirarem o frio do lombo!

Melhor fora que o tal Poder os abandonasse de vez à sua sorte para livremente poderem decidir o futuro!

12 dezembro, 2006

Brebiário de ls malos oufícios


"Furmoso ampeçaba a dar seinhas de cansado. L sudor relhuzie-le ne l lhombo i la cabeçada fazie-le zeinhos de scuma ne l cachaço. Yá cachico que nun scatrapulhaba i solo iba a passo.
Reconcho, tanta touça! I inda Antonho Rolo ten la coraije de me pedir las touças de l cerrado de l Cascalho. Deixa que torne, que queda bien repunsado. Que diabo nun ben eiqui? Nun ten bun bagar?!
La prática yera siempre ua de las de l lhibro que habie mercado an Bergáncia, ne l seminairo, a un padre sou porsor, muito an segredo i por fabor, nun manginaba adonde l tenerie zancantado: “A Voz do Pastor – discursos de hum parocho aos seus fregueses”. Habie-le custado 5 mil reis mas habie sido denheiro bien ambriado. Tenie sermones pa to ls demingos de l’anho. Quando yera die de fiesta, scolhie-se un i apuis bundaba ajuntar-le dues lhérias al cunsante.
Podie-la tener anjorcado onte a la nuite, mas l’arrozada de lhiebre que Maridília me puso tenie un seinete!... quedei mi ampanzinado... dou-me ua molheza... yá nun fui capaç de me aponer... anda que algua cousa se haberie de anjorcar... anton nun yera el l pregador mais buono daqueilhes trés cunceilhos... anté fazie chorar las ties... inda staba pa nacer outro..."

Alfredo Cameiron, in Voz do Nordeste


Não. O meu teclado não ficou doido! O texto aqui reproduzido é que está simplesmente escrito em Mirandês. Um dialecto próprio do território a Leste da Braganzónia, o planalto Mirandês, que quase se perdeu em meados do século passado. Recuperado pelo saudoso Padre Mourinho, vai sendo por lá ensinado aos mais novos. Vai também aparecendo em algumas publicações, infelizmente pouco divulgadas. Para os mais novos está por aí à venda uma edição especial de Astérix [o Gaulês] traduzida em Mirandês. Para quem nunca tal havia visto, aqui fica este breve exemplo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Porca, fiquei encantado com este soberbo pedaço de mirandês. Ainda bem que aqui o trouxeste, para um melhor conhecimento da cultura desses Além-Montes tão injustamente esquecidos fora dos períodos de campanha eleitoral!
Em 28/10/2006, lá no meu Sino, publiquei também um texto para divulgação dessa língua, que só a falta de cultura e de vontade política dos nossos governantes não reconhecem como tal, continuando a considerar o mirand~es como um dialecto.
Tem tudo, até uma gramática própria, para poder ser uma LÍNGUA!
O que lhe falta? - Nada!
Sem outro intuito que não seja reforçar a divulgação que fazes do mirandês,aqui te deixo o texto que publiquei então:

Eis o texto:
Título: " Barba sin tiempo"

Habie un rapaç que yá muito tiempo que namoraba cula moça i treminou a pedir-se-la al pai. L pai de la moça quando l biu dixo-le:
- Nin penses an casar-te cula mie filha. Purmeiro arranja barba i apuis ben a falar cumigo.
L rapaç alhá se fui mui triste pus inda nun tenie barba. Anton agarrou un xeixo dua ribeira i passaba ls dies a sgodar la cara cul xeixo a ber se le salie la barba. Tanto sgodou, tanto sgodou, que alhá le saliu la barba. Fui-se anton outra beç a tener cul pai de la moça, que le dixo:
- Cumo yá tenes barba, yá te puodes casar cula mie filha.
Eilhes alhá se casórun. Mas nun tenien nada i nin un nin outro ganhaba. Naqueilha casa nun habie nada de comer nin de buer. Por esso passában ls dies mui tristes. I dezie l rapaç:
- Nuites alegres, manhanas tristes, barba sin tiempo pa que nacistes.

Uma delícia, não é?

É espantoso como consegue ser uma mescla de Português, Castalhano, Galego e, mesmo, catalão (que é o que mais me espanta!)
Veja-se, por exemplo: os artigos "l" e "is"; "apuis"; "dies";...
Faz uma simplificação espantosa da escrita, aproximando-a da fonética, e mesmo a nível gramatical apresenta uma estrutura própria (repare-se na conjugação verbal de "habie" e "dezie").

Um abraço e parabéns.
Jorge G

Anônimo disse...

Jorge,
Apesar de a minha 'área' ser mais virada para as ciências entendo razoavelmente o Mirandês. Já no tempo do Liceu em Bragança tive um colega de turma que era mirandês genuíno, de São Martinho de Angueira que, com natural orgulho, me foi dando umas explicações desta [sua] estranha Língua.
Concordo inteiramente que o Mirandês não tem nada de dialecto. É sem dúvida para mim uma Língua, e uma estranha mistura de português e catalão, mais até do que castelhano ou galego.
Senti isso quando, em meados dos anos setenta, fui pela primeira vez a Andorra e aí ouvi, 'ao vivo', falar catalão. A impressão que tive então foi a de que estava a ouvir um Mirandês um pouco diferente. Mais 'rápido', mas muito parecido.
Gostei muito do texto que me deixou e, com sua licença, e porque aqui sempre fomos bons vizinhos dos Mirandeses, apesar das 'guerras diocesanas' entre Bragança e Miranda [de que já ninguém se lembra], vou arranjar um 'boneco' apropriado e vou reproduzi-lo aqui no Braganzónia.

Um Xi da Porca [bfs]

Anônimo disse...

Porca, é um prazer!

Abraço.

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